sexta-feira, 19 de setembro de 2008

HOSTILIDADE DOS FILHOS


Ontem aconteceu.

O meu adolescente anda irritadiço: início das aulas; início das actividades de ginásio; readaptar-se a amigos e amigas que nas férias, tal como ele, cresceram mais um palmo e mudaram de feitio; sono desregulado; hormonas aos saltos; mau ambiente em casa; ... Tudo contribui para o seu estado intranquilo.

Hoje despejou o saco sobre mim. Confesso: não gosto que isto aconteça, mas sei que às vezes tenho de ser o seu saco de boxe. Houve tempos em que não compreendia essa sua necessidade e reagia mal, mas hoje tento fazer desses momentos oportunidades de aproximação.

Mas ainda não lido bem com os casos em que ele puxa de palavras que me põem em causa perante a mãe. Palavras que eu reconheço das que ela me diz. Não que eles não possam ter ideias comuns – podem. Mas anda no ar um certo perfume manipulativo…

Ao fim dum certo tempo ela veio à conversa. E foi aí que o rapaz acabou por se irritar e desapareceu! Ficámos os dois, o momento ideal para o inevitável "estás a ver, até os teus filhos dizem de ti que...". Pois... dizem, sim, sei que não sou um anjo.

Mas a verdade é que ele não conseguiu adormecer nessa noite: fui para o quarto dele, conversámos lindamente, entendi-o, entendemo-nos. Depois disso, eu ainda fui trabalhar e ele adormeceu com carita de anjo!

E eu também adormeci mais feliz!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

RETRATO


RETRATO
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
-Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecília Meireles (Antologia Poética)

O meu rosto não mudou - foi mudando.

Falo do rosto que reservo para mim. Um rosto de mim que só eu próprio vejo. O rosto de quem imagino que sou, de quem eu me sinto. Os outros verão outros dos meus rostos - eu vejo este.

Hoje paro e interrogo-me: - "Quem é a pessoa que transporta este meu rosto?". Respondo: - "Sou eu"! Credo, como está, como estou mudado. E “eu não dei por esta mudança”…

Fui tecendo no “meu” rosto vários estados de espírito, como pontos cruz num tapete de Arraiolos, onde um ponto é pouco mas é indispensável para o desenho final: ora um rosto decidido, de pessoa alegre e descontraída, capaz de enfrentar o mundo, desafios e tormentas; ora um rosto de ansiedade, um mar onde flutuam dúvidas e perplexidades; ora um rosto quebrado, de olhar vazio e lábios amargos.

E o ciclo repetiu-se, uma, duas, três vezes... e mais uma e outra ainda. E cada vez menos o meu rosto era decidido e era cada vez mais ansioso. E cada vez mais quebrado. E um dia percebi que aquele meu olhar estava vazio porque estava a olhar para dentro. Que fiz de mim? Como me deixei tornar assim?

Sei que a esposa teve "coisas" que contribuíram para isto. Mas sobretudo, eu deixei-me tornar assim.

Não soube dizer não a tempo e horas, não soube enfrentar certas coisas de outra forma, não soube conviver com ela de outra forma, ...

Não soube estar atento, estabelecer um limite a partir do qual me sentia posto em causa como pessoa... talvez até tenha sabido, mas não soube fazê-lo respeitar.

Consenti no abuso. É chato reconhecê-lo, mas fui cúmplice!

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

UM GRITO DE ALERTA

Ouvir aqui: Grito de Alerta (Maria Bethânia, Gonzaguinha)
(...) Há um lado carente dizendo que sim
E essa vida da gente gritando que não.

Que arrepio só de pensar que foi esta a música do nosso namoro.

Porque não estive atento aos sinais que já estavam em cima da mesa? Porque quis acreditar que eram só birras de namorados e não as evidências que o tempo se encarregaria de atirar à cara de gente carente e imatura?

Deixei-me arrastar anos a fio nesta vida da gente que grita que não, na inerte esperança de que se acalmasse o meu lado carente. Mas não posso continuar a confundir desejos com realidades: estou cada vez mais carente e a vida grita cada vez mais alto a sua recusa!

É talvez a grande encruzilhada da minha vida, que me leva a apetecer cruzar-me com novas pessoas, que estejam a viver ou tenham vivido problemas idênticos, com quem possa partilhar histórias de vida com pontos comuns, antecipar ao que podem levar alguns caminhos, sensibilizar-me para soluções criativas de problemas semelhantes, etc.

É para isso que crio este blog. Para uma partilha descomprometida.