sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

F(r)ASES - 2

"Sou velho e já passei por muitas dificuldades, mas a maioria delas nunca existiu" (Mark Twain).

É: muitas vezes somos mesmo nós que complicamos a nossa vida...

PUDIM DE COPO

Pudim de Copo: a receita está aqui. A minha mãe sempre fez Pudim de Copo e foi com ela que eu aprendi a gostar dele.

Hoje tirei a tarde para "outras coisas". Vou fazer Pudim de Copo. Os meus filhos também o associam às delícias da avó, que mora longe.

É sempre uma festa comermos Pudim de Copo: o paladar e a macieza, satisfazem as exigências da língua; ser um doce antigo na família, dá conforto ao coração e aos afectos. Por tudo isto, não são raras as brigas do tipo "comeste mais do que eu" ou "só há uma fatia? Eu ao almoço não comi...”.

Com o Pudim de Copo vou tentar explicar porque é que não concordo com este post que recebi aqui no Blog: "Qual a razão de viver consecutivamente infeliz. Porque não o divórcio? Não é certamente pelos filhos. Tentamos sempre esse argumento quando não temos coragem de seguir em frente. Será que vale a pena viver assim?".

Em parte é verdade. Os medos, as dúvidas, as esperanças, etc, empurram-nos para trás de pequenas ou de grandes desculpas e nós deixamo-nos empurrar com uma grande facilidade. Também pode aparecer o comodismo: sem uma alternativa de vida consistente, vamo-nos deixando ficar. E depois outra coisa qualquer.

Confesso: em mim, há ou houve disso tudo um pouco. Mas pressa, não. E os filhos ajudam (determinam?) essa falta de pressa. A minha vida não é mono-facetada. Não é só um casamento infeliz. Acordar os filhos, levá-los à escola, estar com eles, vá lá - também brigar com eles, assistir à evolução deles, ser posto de lado por eles, aprender com eles, melhorar-me com eles, etc, enfim, viver com e por eles, é uma faceta importante da minha vida.

Afastar-me de casa poderia privar-me disso. Poderia, pois ainda não estou certo de que não me viesse a arrepender de não ter partilhado o tecto com eles um pouco mais. Por mim. E por eles.

Talvez ainda não esteja com coragem para ir em frente. Mas isto dos filhos, para mim, não é um mero expediente. Quero deixar de ser marido mas não quero deixar de ser Pai. Quero construir, com calma, uma alternativa de vida que não ponha em causa a minha relação com os filhos.

Por assim sentir as coisas, coloquei há tempos, aqui no blog, este poema de Miguel Torga: "Recomeça / Se puderes / Sem angústia / E sem pressa". Quando puder, recomeçarei. Sem pressa...

Hoje tirei a tarde para "outras coisas". Vou fazer Pudim de Copo. Para os meus filhos. Os meus filhos adoram: e eu adoro ASSISTIR à felicidade deles.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

JÁ GASTÁMOS AS PALAVRAS

(... a propósito das discussões do post anterior...)







(Eugénio de Andrade)


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

DISCUTIR: AS DUAS FACES DA MOEDA

Quando uma discussão para nada nos serve. Nem para nos aproximarmos do outro, sem termos de confessar o desejo e a necessidade. Nem para acalmarmos a nossa tensão arterial. Nem para, maldosamente, mostrar ao parceiro que ele só sabe falar aos gritos. Nem para nos reconciliarmos. Nem para nos zangarmos ainda mais.

Quando a discussão se torna emocionalmente inóqua. Não nos irrita. Não nos estraga o sono. Não nos faz sentir mais aliviados. Não é coisa que lamentemos que esteja a acontecer.

Quando duma discussão deixamos de tirar algum proveito. Porque nada de instrutivo nos traz para percebermos melhor o que está em jogo. E porque já deixámos de perceber o que está em jogo e já nem conseguimos hierarquizar os problemas que nos envolvem.

Quando uma discussão nos custa menos do que uma conversa civilizada.
Quando já nem discutimos.
Nessa altura.

Nessa altura percebemos melhor que as discussões, se não aproximaram, de alguma forma alimentaram o relacionamento. À falta de melhor, permitiram estabelecer alguns vínculos e canalizar algumas energias menos positivas.

Não tenho saudades de um tempo de discussões esgotantes e estéreis. Mas sinto, ironicamente, que estou num ponto de chegada que, de alguma forma, teria dado jeito ter sido um ponto de partida no casamento: ser capaz de resistir a uma má discussão.

Agora é que eu estaria pronto para elas? :-)